quinta-feira, fevereiro 14, 2008

"Impressões" - MARENOSTRUM e CRAMOL

Inauguramos aqui um pequeno espaço que quero que seja humilde e que vai aparecer de quando em vez, de "crítica" aos discos que nos chegam às mãos a que chamamos de “impressões”, pois sem querermos ser críticos na verdadeira acepção da palavra, não deixamos de ter uma opinião sobre um determinado trabalho de artista ou grupo e de a transmitir neste blog. Faremos, então, uma ligeira descrição sobre o álbum enquanto ouvintes e evocaremos sempre, por ser também uma área a que estamos ligados e que damos especial importância, uma referência à parte técnica geral do disco. Por fim, deixaremos uma nota de 0 a 10 sobre a opinião geral do disco que foi submetido à nossa impressão. Como é óbvio, nenhuma classificação, por mais baixa que seja, será menos divulgada no programa “Canto Nómada”, que queremos que tenha uma playlist a mais imparcial tanto quanto nos é possível. Começamos, pois, esta 1ª viagem de “impressões” com duas sugestões em si diferentes no tempo, no espaço e no estilo. Primeiro uma viagem que devia ter sido feita há mais tempo pelo Algarve (mais vale tarde que nunca) com os MARENOSTRUM e a outra recentemente, pela grande Lisboa, ao som do coro tradicional feminino de Oeiras, o CRAMOL.

Iniciamos curiosamente, então, com um trabalho de 2005. Isto por três razões: a primeira porque foram o grupo destacado no último programa de rádio “Canto Nómada” em directo, segundo porque tiveram a amabilidade de me fazerem chegar o trabalho há pouco tempo só porque agora os conheci e, terceiro, porque… vale a pena falar deles. São os algarvios MARENOSTRUM e estamos a falar do último trabalho “Almadrava”. O segundo trabalho discográfico desta banda continua passados estes anos todos, portanto, a ser uma viagem interessantíssima por sons combinados de muita coisa e muitas influências bem misturadas e um belo cartão-de-visita deste grupo do sotavento algarvio. Mas podemos destacar e referenciar naquela (boa) amálgama toda, claro está, a tradicional música mandada algarvia - com muitas partes de acordeão pelo meio – (exemplo, a faixa “mandado”), as mornas cabo-verdianas (na faixa 5 “Nha Rosa”), algum Klezmer (na “Freylekhs fun L.A.”), influências árabes (na “Rasmalhada”) e o humor das letras presentes nas canções. Aliás, as letras de alguns temas retratam recordações das artes do mar e da pesca e constituem uma evocação pela memória dos rituais das desactivadas armações de atum em Tavira e Olhão, que subsistiram no Algarve até há algum tempo.
Os MARENOSTRUM são: José Francisco (foi o nosso convidado) - voz e cordofones, Janaca - bateria e percussões e Paulo Machado - baixo, acordeão e teclas. Musicalmente falando, refiro a excelente combinação no disco de três “peças” fundamentais: o baixo a bateria e o trombone, aqui eximiamente tocado por Victor Afonso. As guitarras foram gravadas por outro companheiro deles de estrada, MAMADI (que é um guitarrista da Guiné Conakri) e, ainda, existe a participação de Nuno Faria. Por fim, a juntar-se à voz do Zé, a cabo-verdiana MARIA ALICE, que em dueto intervém na canção “Nha Rosa”. De referir que este grupo foi apadrinhado por um dos maiores vultos da música e nem sempre acarinhado o suficiente, o já desaparecido SÉRGIO MESTRE e que assina os arranjos e as flautas do tema “Blimundo” que, diga-se, não é mais que uma gravação dum ensaio. Quanto à parte técnica, tudo muito bem executado pelos músicos que fazem passar a ideia de que souberam efectivamente o que queriam transmitir ao terem gravado este trabalho. Quanto à gravação, ela foi efectuada quase toda pelo eng. de som (meu amigo e colega) FERNANDO ABRANTES nos seus estúdios MDL e que garante, à partida, ser um cd, para quem repara nestas coisas, de grande qualidade sonora. ABRANTES, diga-se, é o responsável pelo som nos espectáculos e discos de muitos artistas, destacando-se, por exemplo, LUÍS REPRESAS. É de 2005 mas muito actual e recomendável. Edição Som Livre/Condado Azul, 2005. (7/10)



Quanto ao CRAMOL, dizer que as “conheci” num disco que referenciei aqui [e que continua a ser um dos grandes discos nesta área]. Nunca as vi ao vivo mas pelo que ouvi anteriormente e pelo que me é dado a ouvir no mais recente e excelente cd “Vozes de Nós” - 4º trabalho discográfico e onze anos depois do anterior disco próprio - confirma porque esta carreira espectacular de canto tradicional feminino já existe desde 1979. Quanto a este “Vozes de Nós”, duplo álbum que se divide em canções tradicionais profanas e canções tradicionais religiosas, tem um total de 46 músicas (33+13). Assim de repente, ouvindo atentamente estas senhoras, damos por nós a fazer uma volta a Portugal musical ouvindo o que há de melhor nestas duas “áreas” que a nossa música tem profundamente. E, é aqui, que está a beleza deste álbum: uma grande e completa recolha, ao bom estilo «à capella», numa viagem pelas mais belas canções tradicionais portuguesas, auxiliadas certamente na produção e na recolha por um grande conhecedor da área, DOMINGOS MORAIS. Cantos de mulher rural no seu quotidiano numa busca permanente a sons antigos, melódicos e de grande essência. O canto à capella é de estilo aparentemente simples mas tecnicamente complicado no próprio canto, entrosamento colectivo e, também, na captação das vozes em disco. Eis, por isso, uma bela sugestão discografica e, mais importante, notar já que magnífico princípio de ano para a MTP.
Gravado em três dias num lagar de azeite em Oeiras, este disco contou com a produção e direcção musical de EDUARDO PAES MAMEDE, co-adjuvado na captação das vozes pelo técnico ALEXANDRE WEFFORT. O som final está acima da média mas merecia melhor masterização.
As vozes do CRAMOL têm muitas participações com diversos artistas em palco, em discos e actuações por todo o mundo onde consagraram uma carreira invejável e, se calhar, não imaginável a partir da tertúlia que fizeram no seio da Associação Cultual Biblioteca Operária Oeirense há 29 anos atrás e onde tudo começou. Elas dizem no prefácio do cd, “(...)Primeiro estranha-se e depois entranha-se(...)” mas eu entranhei logo à primeira e não estranhei nada. É a sensação miníma que se pode ter depois de ouvir estas… vozes e que, enfim, são também nossas! Edição Ocarina, 2008. (8/10)

André Moutinho